Era uma sexta-feira nublada de inverno. O frio cortante e o céu cinza combinavam com a dor daquela família. As crianças se agarravam às pernas de sua mãe, assustadas e chorando. A mãe também chorava, com o bebê no colo, tentando manter sua prole protegida perto de si. O pai, feroz, enfrentava com bravura os invasores que tentavam lhe roubar os filhos. A multidão ia se juntando na calçada da casa para assistir ao espetáculo do desespero e da impotência. Tiravam fotos, filmavam, davam risadinhas. Alguns choravam e se afastavam por não conseguirem assistir à cena.
A guarda anunciou ao pai que se ele continuasse a resistir, seria detido na frente dos filhos. Por um segundo ele pensou que era melhor ser detido na frente dos filhos mas lutando por eles, do que ficar livre para assistir suas crianças serem levadas sem nada poder fazer por elas. Apesar da fúria e do descontrole do momento, conseguiu refletir que se estivesse detido não poderia fazer mais nada pelos filhos. E permitiu a passagem dos agentes, os quais foram arrancando um por um de seus filhos, das pernas trêmulas da mãe.
Uma, duas, três, quatro, cinco, seis e por último o bebê do colo. Todos chorando dentro do carro, rumo ao acolhimento institucional. A multidão foi se dispersando. O estado deplorável dos genitores, diante do seu ninho violentamente invadido e esvaziado, não é passível de descrição e narração.
As crianças chegaram à casa-lar (como são chamados atualmente alguns tipos de unidades de acolhimento), confusas e assustadas, pedindo mamãe, papai e vovó. Receberam a primeira refeição, e comeram como há tempos não comiam. Talvez desde que nasceram. Tomaram o banho que há meses não tomavam. Usaram o banheiro que não tinham. Deitaram-se em camas macias e limpas que nunca tiveram. Com o passar dos dias o medo e o susto foram dando lugar à curiosidade e à entrega. Cabelos limpos, cortados e sem piolhos. Alimentos frescos e em boa quantidade. Escola, amigos, cadernos e livros. Vacinas, remédios, exames. Primeiro parabéns de aniversário, primeiro bolo, primeira vela, primeiros presentes. Casa arrumada e cheirosa, roupas limpas nas gavetas, água na torneira, brinquedos e TV. Mãe-social (como se chamam as cuidadoras que moram na casa-lar com as crianças) sempre sóbria e disponível.
Mas apesar disso tudo a saudade da mamãe nunca passava. Quero ir para a minha casa. Cadê a mamãe e o papai?
Mamãe e papai não estão em casa. Estão na biqueira, trocando o que sobrou da comida por pedra de crack. Mas isso as crianças jamais deverão saber. Assim como, talvez, jamais saberão que seus pais tentaram se tratar e não conseguiram. Que foram no tribunal de justiça lutar por elas. Que lembraram delas no dia dos seus aniversários. Que limparam e reformaram a casa para quando elas voltassem. E que o papai foi preso depois que bateu na mamãe depois de uma noite inteira usando drogas, e que a mamãe tomou tanto calmante que foi encontrada desmaiada no sofá.
Não, talvez elas nunca saibam de nada disso. E também por isso jamais saberão o porque de nunca mais voltarem para casa, e nem o tamanho do amor que seus pais lhes tinham. E a mãe sem filhos agora passa o dia dentro de sua casa vazia, cuidando das lembranças que restaram e do amor que a mantém viva.
Esse post é de uma série de crônicas que decidi escrever, baseadas em fatos da vida real, os quais foram extraídos do meu cotidiano e da minha experiência com famílias em situação de vulnerabilidade social e violações de direitos.