Ele não sabia onde a briga começara. Tentou refazer os passos olhando para as grandes pedras de gelo no whisky, à meia luz do bar vazio. Começo de tarde. Estiveram brigando desde de manhã.
Amava-o mais do que tudo no mundo. Sentia isso dentro dele quando o sentia dentro de si. Um amor ardido e desenfreado, enlouquecido. Queria quebrar o mundo inteiro para não ter que dividi-lo com mais ninguém. Era egoísmo. Era assim que amava. Era assim que o amava: o cara que mexera tanto com sua cabeça que ninguém mais o reconhecia.
Saíra batendo a porta do quarto, da sala. Bateu o portão do prédio, ouvindo os gritou do outro lá do décimo andar, "não volte nunca mais!". Pegou o copo gelado e colocara contra o maxilar, onde o gancho do ex o acertara. Doía pra caralho. O whisky estava amenizando. Eram ex, não eram? Parecia definitivo dessa vez.
Não! Não podia ser definitivo. Aquele cara era o mundo pra ele.
Tragou o resto do whisky num gole, tirou uma nota de cinquenta da carteira e a deixou embaixo do copo. Saiu para a noite quente. Que merda de dia! Que merda de noite!
Chegou no prédio do ex e passou pelo portão que duas horas atrás tinha quase quebrado. Subiu pelo elevador até o décimo andar. Esmurrou a porta do apartamento 1006. Escutou um "vai embora!"; respondeu com um "abre a porra dessa porta!". O barulho da tetra-chave foi a melhor coisa que ouviu na vida.
Um punho veio em cheio outra vez, mas mesmo ébrio, esquivou-se. Mergulhou no peito dele, as mãos direto no maxilar, onde segurou firmemente. Deu-lhe um beijo, não quis nem saber. Sentiu a outra mão vindo para lhe dar um tapa e a segurou.
Ofegante, os dois se entreolharam. Sabiam que não tinha mais volta. Já era tarde demais pra voltar.
Unhas se enterraram em camisas, arrebentando botões. Alguém foi empurrado numa parede e investiu em fúria lasciva, ambos caíram no sofá. De repente, não havia mais espaço entre eles. Só suor, saliva e raiva exercendo aquela destruição magnética. Iriam os dois pro inferno.
Alguém caiu, empurrado, num lapso alheio de consciência. Estavam tropeçando nas mesmas pedras. Pedras lavadas num onda de tesão reprimido. De repente, estava rolando seminus no tapete. Escoriados. Alguém levou um soco nas costelas. Ninguém se importou. A luminária foi pro chão. Não importava que seria a seco. Os dois iriam pro inferno. Já era tarde pra voltar.
Quando deu por si, encarava a parede do próprio quarto, a cabeça rodava e martelava. Todos os botões no lugar. Agora já é tarde.