Foi muita informação para 1h de episódio, não? Rapaz…
Desde o início da sétima temporada, Game of Thrones prometia três coisas para este ano: dragões, o Rei da Noite e duas guerras paralelas. Levou um tempo, porque afinal de contas não é tão simples reduzir o amontoado de histórias a três ou quatro arcos que se entrecruzam, mas eventualmente estamos chegando lá. O que é, definitivamente, bom para o desenvolvimento como um todo, mas deixa algumas consequências negativas no caminho.
Após uma avalanche de episódios que só melhoraram semana após semana desde ‘Dragonstone’, o antepenúltimo se destaca no sentido negativo, como o mais fraco da temporada. Não porque não tenha sido recheado de acontecimentos importantes e uma parte essencial para a completude da trama, mas porque o faz de forma muito apressada, extremamente burocrática e contraditória para vários personagens.
Há, é claro, aqueles tradicionais grandes momentos que tomam conta das conversas na internet, como alguns reencontros (e neste caso, foram muitos!) e uma piadinha aqui, outra acolá — só faltou Sor Davos (Liam Cunningham) olhar para a câmera e dar uma piscadela depois de dizer a Gendry (Joe Dempsie) que ‘achava que ele ainda estava remando’. Mas o fato é que tantos acontecimentos — e tantas viagens, aliás — demandam um certo tempo e precisam ser sentidas na narrativa de maneira eficaz — o que não acontece.
Neste episódio, por exemplo, Sor Jorah (Iain Glen) chegou a Pedra do Dragão, Tyrion (Peter Dinklage) e Davos foram e voltaram de Porto Real, Bran (Isaac Hempstead-Wright) enviou corvos de Winterfell à Cidadela e a Pedra do Dragão, e depois de tudo isso, Jon ainda retornou à Muralha na companhia de Davos e Jorah. Cada uma dessas viagens foi pontuada com várias decisões, o que as torna naturalmente importantes para o decorrer da trama, mas tudo é tão apressado que não é possível sentir a passagem do tempo, tampouco entender o real motivo por que estão sendo tomadas, se não unicamente porque o roteiro anuncia que precisa ser assim.
O tempo, neste quesito, é o maior inimigo do episódio. Não dizemos necessariamente de as viagens acontecerem tão rapidamente — isso já virou piada batida na internet —, mas porque condensa tudo isso em um único episódio, fica a impressão de que são todos pontos de virada que se acumularam sem lugar na sala dos roteiristas, e por isso ‘sobraram’ em um único episódio que precede o penúltimo, tradicionalmente rico e bastante aguardado.
O episódio exige atenção dobrada, talvez até mesmo pela aparição mais destacada de personagens menores; é claro que exigir um certo nível de atenção do público não é um problema, mas torna-se cansativo quando todo o texto soa como um enorme amontoado de acontecimentos que precisam obrigatoriamente se desenrolar, mas que são, no fim das contas, apenas intermeio para os grandes eventos que virão a seguir.
Se pudéssemos inferir uma grande passagem de tempo dentro de ‘Eastwatch’, para fazer sentido com relação ao tamanho físico do continente de Westeros e as condições de viagem, seria aproximadamente um ano. Guerra leva tempo.
Neste meio tempo, os nortenhos naturalmente se sentiram incomodados pela ausência do Rei do Norte, Jon Snow (Kit Harington) — da qual discordavam desde o início. Enquanto isso, Sansa (Sophie Turner) cumpre o seu papel de Senhora de Winterfell ouvindo as demandas e apaziguando os ânimos de forma a manter as casas unidas. Tudo certo, não?
A maneira como o episódio coloca Arya (Maisie Williams) e Sansa de lados opostos neste ponto chega a ser ofensiva para aqueles que acompanham atentamente as evoluções das duas personagens e entendem de onde cada uma vem. É certo que elas cresceram diferentes ao longo dos últimos anos, desde a primeira temporada; Sansa cresceu para ser uma líder política, e Arya para ser uma arma vingativa. Que elas analisem a situação de formas diferentes é perfeitamente natural, mas há uma tentativa forçada do roteiro de vilanizar Sansa, ou criar tensão entre as irmãs Stark, com uma desavença que é completamente exagerada. A ‘teimosia’ distorce tudo o que Arya em teoria guarda de ensinamento da forma como seu pai comandava o Norte, e incentiva o público a escolher um lado e comparar uma irmã à outra — o que diminui as duas personagens e ridiculariza todo o bem-arquitetado pensamento estratégico de Sansa.
Com qual objetivo, mesmo?
A grande revelação do episódio, no entanto, passa quase despercebida em uma cena simples de Sam e Gilly (Hannah Murray). A garota acha um documento que trata da anulação de um casamento — o de Príncipe Rhaegar com Elia Martel, fica subentendido — feita pelo Alto Septão em Dorne, e imediatamente na sequência ele foi unido em matrimônio com outra pessoa. O que isso significa?
Muita coisa. Muita coisa, mesmo.
Rhaegar é o pai verdadeiro de Jon Snow, e a sua ‘união’ com Lyanna Stark, tratada oficialmente como um sequestro pela história de Westeros, foi o que deu origem à Rebelião que colocou Robert Baratheon no poder. Mas o Príncipe era casado com Elia Martel — a irmã de Oberyn por quem ele queria vingança contra Gregor Clegane, lembra? —, com quem inclusive tinha dois filhos: Rhaenys e Aegon. A mãe e as crianças foram mortas a mando de Robert para que não sobrasse nenhum pretendente Targaryen ao Trono de Ferro, e porque Jon não era fruto de um casamento, continuava sendo um bastardo, mesmo que sua mãe fosse uma Stark e seu pai, um Príncipe Targaryen.
A anulação do casamento de Rhaegar e Elia, e o consequente casamento dele com outra pessoa (vamos pular para a conclusão óbvia e dizer que é Lyanna) estabelece Jon como um filho legítimo, e estabelece que ele tem direito de reivindicar o Trono de Ferro.
O problema é o quanto essa decisão do roteiro deslegitima toda a história do personagem e das ‘Crônicas de Gelo e Fogo’.
É possível perdoar (ou propositalmente ignorar) a discrepância de um diário pessoal do Alto Septão estar da Cidadela — Meistres não têm relação alguma com a Fé —, mas vamos exigir o mínimo de coerência no roteiro para uma decisão tão importante quanto esta; como aconteceria a anulação de um casamento consumado e que gerou duas crianças? Mais do que isso, a anulação do casamento de um Príncipe necessitaria da autorização do Rei, o que seria completamente inviável em meio à guerra. Mergulhando no cânone literário, não há registro de nenhuma anulação deste tipo, por exemplo. Além disso, qual é a real legitimidade de um casamento ‘secreto’, já que não há testemunhas?
Os argumentos acima podem até mesmo ser interpretados como exagero, mas há outros: que sentido faria o Alto Septão Maynard não ter contado deste casamento para o Rei Robert? E por que, de todas as pessoas de Westeros, Lorde Varys (que sabe de todas as coisas) não saberia disso?
É uma solução arbitrária, que passa por cima de todo e qualquer detalhe, com o único objetivo de elevar a imagem de Jon. Não haveria problema nisso, também, mas há de se observar que o ato retira do bastardo a essência que o fez quem é; a história de George R.R. Martin é recheada de personagens ora menosprezados e que encontraram nos seus ‘defeitos’ seus pontos fortes:
Tyrion, por ser anão; Arya, por ser alvo de piadas pelo seu jeito brusco e por sua aparência; Jon, por ser o bastardo em meio a cinco filhos legítimos; Sor Davos, por ter saído do nada e se transformado na Mão do Rei Stannis; Daenerys, que era apenas uma garota sem casa e com um sobrenome que ‘já havia sido importante’; e tantos, tantos outros…
Tirar a bastardia de Jon é um movimento para agradar os fãs do personagem (ou fazer o infame ‘fanservice’) em detrimento do roteiro; em uma análise um pouco mais aprofundada, é possível imaginar, talvez, que a série esteja colocando em Jon a história do Jovem Griff, personagem dos livros que não aparece na série. Suposições…
De uma forma ou de outra, parece que nenhum reclame ao Trono de Ferro é realmente importante, com o exército do Rei da Noite batendo à porta. Te cuida, Jon Snow.