Palmeiras
Da crise ao bilhão: como o Palmeiras se transformou no maior formador de joias do Brasil
Enquanto coordena as categorias de base do Palmeiras, João Paulo Sampaio recebe de 20 a 30 vídeos por dia no WhatsApp, de pais, amigos, empresários, mostrando gols e melhores momentos de meninos que querem estar lá: na Academia de Futebol.
É o berço de Endrick, Luis Guilherme, Estêvão e que se tornou, em menos de uma década, o maior formador de joias em negociações milionárias do Brasil.
– Gastamos R$ 260 milhões e vendemos R$ 1,8 bilhão desde 2015 na base. Com Estêvão, foram R$ 350 milhões.
Entre 2013 e 2015, o clube vinha do segundo rebaixamento no Brasileiro, buscava se estruturar financeiramente e fez mais de 70 contratações ao futebol profissional.
– Quando eu pegava o Palmeiras nas competições, para mim era menos um na chave. Nunca foi um dos principais formadores do país.
Naquele período, sob a gestão do então presidente Paulo Nobre, o clube deu um passo importante para a profissionalização e trouxe nomes dedicados a cada área do futebol, com Alexandre Mattos e Cícero Souza no principal, e João Paulo Sampaio na base.
As mudanças começaram na estrutura. O clube era muito grande na área administrativa e tinha mais assistentes sociais e psicólogos do que profissionais ligados ao campo, por exemplo. É o que explica o coordenador. Eram quatro treinadores e só dois captadores de novos atletas.
Aos poucos, eles redistribuíram os departamentos e triplicaram esses números, contando agora com 12 técnicos, no futsal e no campo, além de oito captadores distribuídos em quatro das cinco regiões do Brasil.
– Temos captadores espalhados, mas no Palmeiras todo mundo faz captação, assiste a jogos. Isso é o mantra do clube. E a gente leva muitos times para o nosso CT. Falo que sou um scout na coordenação. Recebo uma média de 20 a 30 vídeos por dia e uma parte passo para alguns, outros eu vou vendo. Foi o caso de Endrick – lembra João Paulo.
Além da estrutura, o Palmeiras precisou mudar a mentalidade. Afinal, de que adiantaria encontrar os melhores jovens jogadores do Brasil e não conseguir mantê-los no clube?
Em uma época de Santos e São Paulo com as maiores revelações, e o alojamento de Cotia sendo um forte poder de convencimento, o Verdão escolheu humanizar o processo. É o que conta o técnico Eduardo Alemão, que esteve no clube por 10 anos e fez parte dessa estruturação.
– Trazer um jogador é um trabalho de convencimento. Você precisa provar que ele está no melhor lugar. Tem que mexer com ele, com a família. Acho que o mais importante foi humanizar o processo, e aí as coisas começaram a acontecer. Era de às vezes ir até o local para a família não ter que vir ao clube, ir conversar no fim de semana, dias em que de repente outros não iriam – diz Alemão.
Em 2016, o Palmeiras vendeu Gabriel Jesus ao Manchester City por 32,75 milhões de euros. Em 2017, passou a divulgar atletas ao futebol internacional. Em 2019, fez vendas ao exterior antes mesmo de estreias no profissional, como Luan Cândido ao RB Leipzig.
E em 2020 deu à base um papel fundamental no time de Vanderlei Luxemburgo, subindo sete deles, como Patrick de Paula, Gabriel Menino e Gabriel Veron. Foi a virada de chave.
Parte desse investimento está evidente nas estruturas do clube. Entre as novas instalações da Academia de Futebol 2 - o CT da base -, um campinho de terra e duas placas no alambrado chamam atenção. "Proibido treinadores. Somente formadores", diz uma. "Espaço de liberdade, improviso e autonomia", completa a outra.
Elas ficaram famosas pelas negociações milionárias do clube e são importantes para entender a metodologia de ensino adotada na base: a de autonomia e liberdade.
Essas placas sinalizam o campo criado para replicar as raízes do futebol brasileiro e utilizado uma vez na semana, por meninos dos 10 aos 15 anos.
Antes da inauguração do espaço no CT, o Palmeiras implementava essa metodologia em campinhos nas favelas de São Paulo. Adota a mesma dinâmica, aliás, na rotina desses atletas, para desenvolver o senso de autonomia, responsabilidade, e as viagens internacionais são exemplo disso.
– Meninos de 11 anos vão ao Japão, tomam a mala, despacham. A gente quer que eles estejam prontos para o mundo. Na Holanda não tem almoço, lanche é meio-dia, vamos comprar feijão ou vai comer o que tem. A gente se adapta ao lugar, não o lugar à gente – conta o coordenador, que fechou 10 torneios fora do Brasil no ano passado.
Ainda que a venda de joias como Endrick, Estêvão e Luis Guilherme domine as atenções, os ganhos do Palmeiras com sua revolução na base vão muito além: o clube calcula uma economia milionária na folha salarial do futebol e lucra até mesmo com atletas que seriam dispensados na formação.