Existe um fator que atrapalha a resolução de muitos problemas sociais, e que não passa pela questão dos recursos financeiros. Também não passa pelo poder público, suas políticas e ações. Passa longe da alienação e egoísmo nas relações sociais.
Trata-se de um fator endógeno que se origina no seio dos núcleos familiares, ou seja, é um problema interno familiar e está intimamente relacionado com o que chamamos de intergeracionalidade.
Podemos dizer que em algum lugar no passado uma ou mais pessoas daquela família passou por situações de privações ou violações de direitos, ou vulnerabilidades extremas, e com isso adquiriu um certo repertório comportamental socialmente disfuncional (até mesmo pela escassez de orientação, apoio, estímulos e oportunidades que essa pessoas vivenciaram). A família meio que "se acostuma" a viver daquela forma, e à medida que novas gerações chegam, vão sendo criadas para continuar vivendo sob os mesmos paradigmas. Por mais "toscos" que eles sejam aos nossos olhos.
Tal fator se aplica à diversas situações como negligência, maus-tratos, violências de todos os tipos (psicológica, física, de gênero, etc), submissão à situações de exploração e degradação (trabalho forçado, trabalho infantil, exploração sexual, tráfico, etc), evasão escolar, drogadição, alcoolismo, baixa capacitação para o mercado de trabalho, entre outras.
Devo dizer que quando encontramos um problema que se tornou intergeracional em uma família, estamos diante de um dos maiores desafios na área social.
Não há recurso financeiro, política pública ou engajamento social que resolva isso de uma hora para outra. É como se aquela família vivesse dentro de um universo paralelo, sob suas próprias regras e dinâmicas internas. É preciso muita paciência, sensibilidade, tato, persistência e dedicação para, quem sabe, com muita sorte, começar as influenciar as gerações mais novas (geralmente as mais abertas às mudanças), para que no futuro possam criar seus filhos de uma forma diferente.
Existe uma animação que ilustra perfeitamente a questão da intergeracionalidade na reprodução de problemas sociais ao longo do tempo, dentro de um mesmo núcleo familiar.
Vida Maria (8m35s)
Família é uma coisa linda.
Mas as vezes se afastar para viver ao seu próprio modo é fundamental.
Pena que nem todos têm essa possibilidade.
É por isso que não sou adepto a tradição. Não gosto dessa ideologia de cultivarmos o que era no passado, e continuar com isso. Sou adepto sim, a analisarmos o comportamento que é correto e continuar com ele, e o que não é simplesmente mudar.
Quando a gente simplesmente mantém os memes (neste caso, podemos utilizar o conceito de meme antes da internet que é quando a gente copia algo sem saber o porque) a gente não evolui, apenas continua tendo uma disfunção social de manter aquilo daquele jeito sempre.
Eu entendo que isso é algo que não tem como ser mudado sem quebrar os laços familiares, o que por sua vez é um custo muito alto. Por isso, acredito que cada pessoa tenha que se rebelar para conseguir matar aquilo que é ruim e regar os ramos que sempre dão os melhores frutos.
@robertoueti, seu comentário me fez lembrar de uma imagem que vi esses dias:
Excelente texto. Precisamos cortar raízes, ou nunca conseguiremos evoluir ou conhecer quem realmente somos e como criamos. Eu luto frequentemente pra me desvincular do que só me prejudica na família, alguns aspectos são muito complicados, porque estão muito enraizados e eu também acredito no poder da genética, mas sigo lutando.
ptgram
Olá @aiuna! Com certeza é muito difícil essa desvinculação, afinal foi uma vida toda até chegar na configuração atual. Para ir nos libertando também é um processo longo e lento. Mas só de termos consciência desse movimento e nos mantermos na direção que queremos, já acho louvável. Como diz aquele ditado: laço quando aperta vira nó. Agora é ir desfazendo os nós né.. rs
Muito boa tarde @aliny e que bom você ter exposto este assunto aqui!
Na visão da origem do estado, Aristóteles afirma que as necessidades inatas do Homem são respondidas, em 1ª instância, pela família. É então possível afirmar que a família é a unidade base de qualquer sociedade organizada. Ao redor do mundo a família ainda é um dos pilares fundamentais da sociedade contemporânea, é na família que aprendemos a compreender e a nos situar no mundo.
Porém é saudável questionarmos nos tempos atuais a real contribuição dela, principalmente quando levamos em conta que no IDH dos países da América do Sul o Brasil não fulgura entre os de melhores, fica atrás de Chile, Argentina e Uruguai e caso não tenha sido nada alterado até pouco antes da Ditadura Maduro, estávamos atrás da Venezuela, ou seja, a falta de tudo o que você já expôs no seu post, junto com a exposição a tudo o que você evidenciou no seu post, nos leva ao resultado atual.
Eu acredito que para recuperarmos este alicerce de forma real, temos que educar, prestar atenção nos detalhes, resgatar os jovens o quanto antes. Nas nações subdesenvolvidas os governantes já entenderam que quanto maior distância do seu povo da educação, maior a chance de perpetuação de poder, que acarreta em corrupção e outras coisas...
Enfim... acho que escrevi demais, mas seu post está excelente. Obrigado por compartilhar.
Oi @juliosouza, muito obrigada pela rica contribuição ao post. Gostei principalmente de quando você fala do resgate aos jovens, que ao meu ver, é um dos pontos onde vejo que estamos há anos luz de distância do mínimo que há para ser feito. Temos uma geração ociosa, sem perspectivas, mal qualificada e desesperançosa, que vive à margem do sistema econômico e também da comunidade científica e cultural. São milhões vagando sem direção... originários de famílias que viveram em contextos muito parecidos, e que agora estão originando novos núcleos familiares, os quais muito provavelmente viverão dentro das mesmas condições. Muito triste isso.
Infelizmente, teremos várias gerações de Marias durante esse lento processo de reeducação que vivemos no Brasil.
Esse número seria menor ano após ano, com uma mão PESADA em cima da corrupção e destinando mais recursos a profissionais como você @aliny ao invés de gastar bilhões com publicidades de estatais na rede Globo por exemplo e muitas, muitas outras bobagens que os nossos governos andam gastando.
É lamentável a falta de sensibilidade desses políticos :-(
Grande abraço e parabéns pelo post e o seu louvável trabalho!
Olá caro @thedarks! Infelizmente tenho que concordar com a sua colocação: existirão ainda muitas gerações de Marias pela frente. Obrigada pelo reconhecimento, na verdade somos um batalhão de trabalhadores do SUAS (Sistema Único de Assistência Social), cujo orçamento vem diminuindo a cada ano, e agora com esse novo presidente não temos nem noção de como será. Veremos. Abraços!
Seja confiante minha querida, vai da certo!
Grande abraço!