Depois de um recesso aqui, voltei e pretendo postar novamente com uma frequência maior. Mas não foi só a baixa dos valores da vida virtual que me desanimaram e sim uma porção de fatores pincelados por uma boa dose de TPM, essa cretina que me acompanha mensalmente. Por isso hoje irei dar continuidade ao que eu mais gosto de falar: sobre leituras.
Pois bem, Lolita é um clássico e é considerado um dos livros indispensáveis nas listas de melhores do mundo. E não é para menos, pois sua escrita é tão sensacional que já embalou a imaginação de leitores pelo mundo inteiro.
Seu conteúdo é muito espinhoso, mas tão bem construído que, apesar de toda a sua glamourização sensual sobre ele, continua fazendo nos apaixonar não pela história, mas sim pelo modo como o próprio narrador nos enlaça de uma maneira que muitas vezes nos pegamos presos em suas palavras de uma forma cegamente iludida.
Apesar de ter sido construída toda uma imagem "obscena" acerca do livro, principalmente pelas suas reproduções no cinema, ele não é um livro erótico e nem o pretende.
Conta a história de Humbert Humbert - ou apenas H.H. - um professor universitário francês de uns trinta e poucos anos que resolve passar uma temporada em uma pequena cidade americana para se dedicar a escrever sua tese. Lá, se hospeda na casa da senhora Haze, uma viúva mãe de uma menina de doze anos: Dolores. Quando H. H. vê Dolores pela primeira vez, se apaixona perdidamente e é aí que se inicia a história de Lolita.
A trama é contada em primeira pessoa pelo próprio H.H. e descreve minuciosamente toda a sua história durante o tempo em que teve contato com Lolita. Não é preciso dizer que um homem com mais de trinta anos se apaixonar por uma menina de doze seja pedofilia e é exatamente nisso que o livro decorre e se transforma, porque, nós, como leitores e espectadores da história temos apenas como provas desse crime a visão do próprio criminoso. E, como disse no início, este narrador quase consegue nos convencer que este amor seja puro, porque ele como acadêmico, usa as palavras como meio de defesa. E é nas palavras que nos prendemos. Tanto que o próprio nome da garota é alterado por H.H., de Dolores passa a ser Lolita porque é este o apelido que ele se refere a ela e orgulha-se a dizer que ele, somente ele pode chamá-la assim.
O próprio H.H. tem noção de toda a sua culpa e descreve esta história como um "emaranhado de espinhos", pois é complicado lidar com toda a situação de uma forma suave, sem se envolver, sem se emaranhar neste ninho. Quem lê precisa estar o tempo todo atento à nuances que confirmam que o narrador não é confiável. Por exemplo: é possível acreditar que uma criança de doze anos não se importe com o fato de sua mãe ter morrido? Até que ponto H.H. criou dentro de sua cabeça toda a história de Lolita para que acreditemos de fato que tudo o que ele conta seja real?
Nunca conheceremos realmente Dolores Haze, mas apenas Lolita, a versão de H.H.
Ele tenta entrar na nossa mente e contar a sua versão sabendo que estamos o julgando e também nos convidando para julgá-lo. E é isso que é interessante: porque parece que ele constrói não só a sua realidade, mas também a de quem está lendo porque ele nos vê como se fossem jurados de seu crime. E somos, até certo ponto, porque cada um o vê de uma maneira.
Mas sim, ele era um pedófilo e ele mesmo se considera como uma pessoa ruim e criminosa. Mas consegue transpassar todo o seu "amor" por Lolita de uma maneira tão profunda que, por vezes, nos pegamos torcendo por este criminoso, como no momento final, onde os dois se separam e ele descreve sua amargura tão tristemente...
Quem procura neste livro cenas explícitas e obscenas deste crime com certeza se decepciona, porque na verdade o narrador repassa certas cenas que não sabemos se é aquilo mesmo que estamos pensando ou se somos nós mesmos que, iludidos, procuramos reconstruir algumas partes da história para tentar saber o que está acontecendo. E esta é só mais uma das peças que este narrador nos prega.
As duas produções cinematográficas foram muito bem feitas, sem dúvidas... Mas não conseguiram captar esta característica do livro que é a força do narrador.
E por toda essa criatividade de Nabokov em construir um personagem tão f*da quanto H.H. que faz de Lolita um dos melhores livros já escritos, ainda mais se pensarmos que o autor é russo, mas se mudou para os EUA ainda criança e, mesmo tendo que se habituar ao novo país e à nova língua, conseguiu criar uma obra magistral e espetacular. E que fique claro, não é um livro moralista e muito menos que incentive o crime hediondo da pedofilia: toda a interpretação está nas mãos dos jurados: os leitores.
Obrigada pela leitura! Abraços, Carol. <3
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Parabéns! Seu post foi lido e comentado pelo projeto #ptgram.
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Muito obrigada, Lucas!
Lolita foi um dos primeiros clássicos que li, junto de "O perfume". Sem dúvidas um dos mais poderosos, apesar que certamente veria com outra visão nos dias de hoje. Até hoje não assisti a versão original do Kubrick... preciso vê-la, mas sabendo o quanto foi reprimida pelo moralismo da época e censurada a ponto de tornar o filme quase "família", tenho certa preguiça. Seu post me lembrou que eu deveria ler mais obras do Nobokov, inclusive.
Pois é, amor!
Quanto aos filmes, lembra que a gente começou a ver juntos o do Kubrick e achamos muito ruim? kkk No final das contas assisti o restante em casa e o mais recente também. Mas eles acabaram focando demais na sensualidade da Lolita do que na personalidade intrigante do H.H.
Abraço, te amo!
Muito bom o texto. Tudo depõe a favor do escritor. Como que é possível ele gerar essa visão no leitor?! É um desafio às nossas concepções de realidade e de julgamento. Somente um grande escritor consegue gerar algo dessa magnitude. Eu só vi filmes. Pelo que lembro, nos filmes eles colocavam garotas um pouco mais velhas para não ficar muito escandaloso.
Muito obrigada pela leitura e comentário, @flaviusbusck! Então, isso que penso quando li Lolita, ainda que foi meu primeiro romance do Nabokov e por enquanto não li mais nenhum dele... Infelizmente os filmes focaram demais na sensualidade da Lolita e no amor doentio dos dois, ficou em branco esta parte meio incógnita se foi tudo um delírio ou não do narrador. E recomendo muito o livro, sério mesmo! Ainda mais que você é mais ligados em assuntos sobre psicologia e etc. Abraços!
Ótimo livro, cheio de nuances interessantes. Também gosto bastante do filme (o original).
Pois é, @wiseagent! No entanto, você diz sobre o filme do Kubrick? Eu já gostei mais do mais recente eheheh; mas não se comparam à beleza do livro. Abraços e obrigada pela leitura e comentário.
Parei na sua página por acaso e descobri sua resenha. Sinceramente, era algo assim que eu estava procurando sobre esse livro. Alguém que conseguisse sintetizar os principais pontos da obra e responder minha dúvida de que se era ou não romantizada a relação entre o narrador e a menina. Obrigada pelo texto!