As crianças não tem o costume de falar da vida pessoal, são reservadas, fechadas com seus traumas da vida.
Hoje foi diferente, eu fui na lotérica pagar uma conta do abrigo. Estava saindo saindo sozinho, quando uma adolescente de 13 anos perguntou se podia ir junto. Claro que sim.
No caminho, sem eu perguntar nada ela foi falando da sua vida. Vou tentar fazer um resumo.
Aos 6 anos ela se lembra bem das cenas que via em sua casa. A mãe apanhando do padrasto, os 4 irmãos chorando em silencio de baixo da cama, sem comida na casa, sem leite, e na hora de dormir o pai forçava a mãe a fazer sexo na frente das crianças, já que a casa tinha um comodo só, o dinheiro da casa era para comprar pinga e drogas, o padrasto bebia e usava droga, maconha e cocaína.
Aos 7 anos o padrasto abusou sexualmente dela, na ocasião a mãe não acreditou nela, disse que ele não teria coragem, confiou nele. Depois desse ocorrido, ela começou a faltar muito na escola, começou a ficar com as "meninas da favela", como ela mesma falou, começou a dar um "beijinhos" nos meninos mais velhos. Como faltava muito na escola, o Conselho Tutelar foi acionado, consequentemente ela e os irmãos foram acolhidos, em outro abrigo.
Aos 9 anos, em outro abrigo, ela fumava cigarro, brigava na escola, tinha vários namorados na escola e na rua, era muito rebelde. Nessa época os seus 3 irmãos mais novos foram adotados. Ela teve que mudar de abrigo, ainda não é esse.
Aos 11 anos ela estava em um abrigo bem longe, que é para não ter contato mesmo, ela fugiu desse abrigo, se envolveu com drogas, morava e namorava com o traficante da região, que tinha 26 anos, ela e a amiga de 16 namoravam o mesmo cara, ela sofreu um aborto espontâneo, foi parar no hospital e novamente o Conselho Tutelar foi acionado.
Quase com 12 anos ela foi acolhida no abrigo que eu trabalho.
Bom, eu não entendi muito bem o motivo de ter me contado a sua história. Assim que as crianças chegam no abrigo, elas já são inscritas para passar com a psicóloga, é uma voluntária que cobra bem pouco. Ainda bem que ela passou rápido, e está gostando.
Atualmente ela é uma menina mais calma, não é uma santinha não, de vez em quando ela dá uns tapas nos menores, dá uns beijos na escola, mas melhorou muito, muito mesmo.