Caricatura denominada “Descoberta da lei da gravitação por Isaac Newton”, de autoria de John Leech, publicada em meados do século XIX, e que ilustra o texto original do prof. Martins.
A primeira etapa do ENEM 2019 aconteceu no domingo passado, dia 3 de novembro. A prova contemplou questões das áreas de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, e também de Ciências Humanas e suas tecnologias, além de propor aos candidatos a confecção de uma redação. No próximo domingo, 10 de novembro, acontece a segunda prova que trará questões de Matemática suas Tecnologias e também de Ciências da Natureza e suas Tecnologias.
Acabo de ver hoje, terça-feira, uma publicação de ontem no Facebook do meu respeitabilíssimo amigo prof. Roberto de Andrade Martins. Ele teve um pequeno recorte de um artigo de sua autoria citado numa questão de Filosofia da prova do ENEM 2019 e retirado do livro "Estudos de história e filosofia das ciências" (Editora da Física/USP, 2006) escrito em parceria com a profa. Cibelle Celestino Silva . Transcrevo a seguir a publicação do prof. Martins (imagem e texto) que, com razão, ficou bastante chateado com o infeliz episódio.
Publicação do prof. Martins no Facebook
Print da publicação do prof. Martins em seu perfil no Facebook
"A prova do ENEM, de ontem, publicou uma questão na qual a professora Cibelle Celestino Silva e eu somos citados. Infelizmente, a questão utiliza um trecho de meu artigo no qual eu cito E DEPOIS CRITICO uma versão errônea do episódio da maçã de Newton. Do modo como foi apresentada, a questão sugere que nós (Cibelle e eu) defendemos a descrição que foi citada. Um erro grave de formulação da prova, pois nos coloca em uma situação delicada. Trata-se, também, de um mau uso de história da ciência no ensino.
Para quem não conhece o meu texto, ele está disponível no link abaixo:
https://www.academia.edu/1084200/A_maçã_de_Newton_história_lendas_e_tolices._MARTINS_Roberto_de_Andrade"
Você entendeu o equívoco da banca examinadora do ENEM?
O texto citado na questão do ENEM é um pequeno recorte do artigo original que tem ao todo 24 páginas. O deslize da banca reside no fato de que este minúsculo texto citado, embora esteja sim dentro do artigo original, é uma citação de outro texto externo (The English Enlightenment, pp. 1–3.) que narra a lenda sobre a descoberta da Lei da Gravitação Universal de Isaac Newton.
No artigo, depois de citar o texto da lenda, junto a outros exemplos, o prof. Martins escreve (o negrito é meu):
"Provavelmente você já ouviu descrições semelhantes a essas e talvez também valorize o uso da história da ciência no ensino como um instrumento de motivação e para tornar as aulas mais interessantes. Se você é um professor de física ou de ciências, já pode ter até mesmo ter apresentado essa anedota em suas aulas, de uma forma semelhante às que estão citadas acima.
Bem, a má notícia é que essas descrições acima citadas estão totalmente erradas, sob vários aspectos. E as versões que você já ouviu (e que pode ter repetido) estão também, provavelmente, repletas de erros.
Este trabalho vai analisar até que ponto a anedota da maçã de Newton tem um fundamento histórico e também qual o efeito pedagógico de contar aos estudantes uma descrição falsa, como as citadas acima. Vamos também esclarecer em que consistiram, essencialmente, as primeiras idéias de trabalho de Newton sobre gravitação."
A falha grave da banca, que imagino não tenha sido intencional mas demonstra enorme falta de cuidado, está em não declarar a verdadeira autoria do texto embora declare a sua fonte. Fica evidente que faltou precisão nas informações, o que induz o leitor a erro de autoria. Eu não gostaria de "assinar" uma lenda! Você ficaria feliz estando no lugar dos autores do livro? Nem precisa responder...
Deixo aqui o meu depoimento pessoal sobre o prof. Martins que conheço de longa data. Tive, em 2001, a felicidade e o privilégio de trabalhar com ele quando atuou como parecerista do meu livro "Tópicos de Física Moderna"¹, trabalho pioneiro no Brasil no ensino de Relatividade, Quântica e Cosmologia para jovens no final do Ensino Médio. Escolhi o prof. Martins para a delicada tarefa de me guiar na confecção de um texto didático original exatamente por saber do seu rigor científico e enorme conhecimento em história da ciência. Sou muito grato a ele por emprestar uma fatia do seu precioso tempo na condução do meu texto que virou referência no ensino de física no Brasil. E reconheço que as minhas idas ao IFGW/Unicamp para encontrá-lo nos cerca de seis meses em que estivemos próximos nesta deliciosa empreitada de criar um texto original de Física Moderna² para jovens significaram um importantíssimo upgrade na minha formação de físico e, em especial, de professor e autor de material didático.
Espero que a banca do ENEM se retrate em respeito ao professor Martins e à profa. Cibelle que, embora eu não conheça pessoalmente, merece igualmente a minha solidariedade neste delicado e infeliz momento!
Para conferir
Se você quiser conferir a referida questão resolvida, indico o Anglo Resolve, excelente e bastante confiável site dos meus colegas autores do Sistema Anglo de Ensino com questões resolvidas e comentadas de importantes vestibulares e também do ENEM. O número da questão varia de acordo com o modelo de prova. Procure por questão 59 na prova amarela, 64 na prova azul, 53 na branca ou 49 na rosa.
Devo ressaltar que a questão aborda a forma como a Ciência funciona na prática. Neste sentido, é uma boa questão. Valorizo-a ainda mais em tempos obscuros em que tivemos a infelicidade de presenciar a autoridade máxima do Governo Federal do Brasil negando de forma leviana os dados científicos oficiais do INPE - Instituto Nacional de Pesquisas espaciais que mostravam aumento de 68% no desmatamento da Amazônia em relação a julho/2018. O INPE, instituição séria e de renome internacional, à época era dirigido pelo prof. Ricardo Galvão, cientista de enorme respeito junto à comunidade científica brasileira e internacional. Prof. Galvão teve a sua idoneidade pessoal e profissional atacada e acabou, por pressão política, perdendo o cargo. Confira aqui o parecer da oficial da SBF - Sociedade Brasileira de Física sobre o infeliz episódio.
Sim, precisamos cada vez mais entender como a Ciência funciona! E quão importante e estratégica ela é para o progresso de uma Nação que pretende ganhar cada vez mais protagonismo no cenário internacional. Neste sentido, a banca acertou! No entanto, nós que gostamos das informações rigorosamente corretas, aguardamos um pedido oficial de desculpas por parte da banca do ENEM pela falha grosseira.
Abraço do prof. Dulcidio. E Física (e Ciência) na veia! Sempre!
¹ Infelizmente o "Tópicos de Física Moderna", editado pela Companhia da Escola em 2002, está fora de catálogo. Espero, em breve, poder reeditá-lo por outra editora uma vez que a Companhia da Escola encerrou as suas atividades. Por enquanto ele só é encontrado em sebos. Nem eu mesmo tenho a versão impressa mais recente da obra, exceto em meus arquivos originais.
² Física Moderna compreende toda a física desenvolvida ao longo do século 20 ancorada na Teoria da Relatividade e na Mecânica Quântica.
Atualização [05/11/2019 – 16h38min] – O Departamento de Pós Graduação em Ensino de Ciências e Matemática da Unifesp – Universidade Federal de São Paulo, onde o professor Martins é colaborador, publicou esclarecedora nota oficial sobre o episódio.
Este texto também foi publicado no Física na Veia! neste link.
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