Um anime contemplativo sobre natureza, espíritos e humanos.
Direção: Hiroshi Nagahama | Gênero: Drama, Fantasia
Ano: 2005-06 | Nota no IMDB: 8,4/10 |Episódios:26
ESSE TEXTO CONTÉM ALGUMAS INFORMAÇÕES QUE PODEM SER INTERPRETADAS COMO SPOILERS (apesar de eu ter evitado colocar as partes vitais da trama)
Baseado no mangá homônimo dirigido e ilustrado por Yuki Urushibara, esse delicado anime conta a vida de Ginko, um mushishi. Para entender o anime, é preciso entender o que é um mushishi e, antes disso, o que é um mushi. As criaturas conhecidas como mushi são formas primitivas de vida. Se pensarmos que há uma espécie de energia vital que dá origem a todas as formas de vida, sempre avançando em grau de complexidade ou de desprendimento dessa energia primeira, nós teríamos os humanos num ponto extremo de individuação e os mushi num grau primordial de proximidade com essa força vital. Assim, os mushi estariam localizados num estrato anterior ao dos insetos, plantas e fungos, num nível etéreo que seria visível apenas a humanos com uma sensibilidade especial para essas formas de vida mais sutis. Esses humanos com uma visão mais penetrante seriam treinados na arte de manipular os mushi, sendo chamados, assim, de mushishi, nome que marca a série. Ginko, o protagonista, é um desses mushishi.
O anime consiste em acompanhar a trajetória de Ginko, que é seu único personagem fixo. A série tem um quê de sobrenatural, mesmo não contando com o elemento terror. Quem assiste séries como Arquivo X está acostumado com a divisão entre episódios chamados “Monster of the Week” e “Mythos”. Os episódios da primeira categoria, a dos monstros semanais, são episódios menos relacionados à trama principal; episódios em que os protagonistas vão investigar algum caso sobrenatural que fica restrito àquele episódio, não influenciando na trama geral da série. Episódios dos mythos seriam aqueles que fazem parte da trama principal, daquela que dá um sentido maior à série e se desenvolve lentamente. No Arquivo X, tomado como exemplo, isso é bem comum. Em Mushishi, temos algo parecido. Quase todo episódio consiste em Ginko chegando numa nova cidade para solucionar algum problema envolvendo os mushi que as pessoas normais não conseguem ver. São poucos os episódios que desvendam algo da vida pregressa do protagonista.
É interessante falar em que tipo de problemas os mushi podem trazer. Esses seres espirituais podem vir nas mais diferentes formas. Muitos parecem apenas energias luminosas, mas eles podem ser dos tipos mais diversos, com alguns casos onde conseguem desenvolver até consciência e forma humana (episódio 21). Há mushi que se alimenta de memórias, de sons, de luz e outras coisas impensáveis em termos biológicos comuns. Para dar um exemplo, um tipo específico de mushi pode se instalar no ouvido de um hospedeiro humano (que nem o percebe) e começar a se alimentar do som que entra ali. O trabalho de um mushishi, portanto, é como o de um médico andarilho, indo de vilarejo em vilarejo desvendando esses casos que muitas vezes são vistos como maldições ou eventos sobrenaturais. Não seria justo dizer que esses eventos são sobrenaturais, mas sim parte de uma natureza mais sutil que poucos conseguem perceber. Nesse sentido, pode-se dizer que Mushishi tem um aspecto ambientalista; Ginko repete várias vezes que os mushi não são ruins ou bons; eles têm a própria natureza e a própria forma de agir, de forma que não podem ser julgados, mas que eles têm seu lugar na roda da existência operante no todo natural. A obra de um mushishi reside justamente em corrigir as anomalias que ferem o equilíbrio entre os mushi e os demais seres.
A série se passa num período imaginário entre o período Edo e Meiji, em um Japão predominantemente rural e sem influências estrangeiras. Nesse universo bucólico, Ginko viaja solitário, nunca criando raízes em algum lugar. Além de sempre ser requisitado em diferentes vilas para ajudar a população com seu conhecimento e habilidade, ele é impedido de ficar muito tempo em um único lugar, pois, sendo um mushishi, ele atrai a presença de mushi, o que é perigoso. Ginko sempre está fumando, pois o seu fumo afasta a presença dos mushi que ele naturalmente atrai. A série segue acompanhando suas aventuras, mas sem focar numa estória que vai se desenvolvendo por todo um arco narrativo; os episódios podem ser vistos separados, pois não são ligados uns aos outros. Suas aventuras costumam ser únicas, deslocadas das demais.
Animado pela Artland e dirigido por Hiroshi Nagahama, Mushishi ganhou vários prêmios e se tornou um anime de qualidade reconhecida mundialmente. Uma segunda série de anime de Mushishi nomeada Mushishi: Zoku-Shō foi transmitida em 2014. Além disso, há dois especiais, um filme de anime e um live-action.
Mushishi é um anime excelente, produzido como arte. Recomendo-o especialmente para aqueles que têm um interesse especial em coisas como natureza, espiritualidade e o lado contemplativo da vida.
Foto tirada e editada por mim
O fato de o anime não propor uma trama cheia de reviravoltas e com o apelo sequencial para prender o telespectador pode parecer desanimador, mas a verdade é que isso não é obstáculo algum para a série. Diria que Mushishi é um anime contemplativo. A ação e a velocidade estão longe de sua proposta. Nisso, ele parece mais condizente com a vida de Ginko e sua personalidade do que seria um anime com bastante ação e oscilações de som e animação. Tudo é leve e de passo lento, o que tem a ver com a própria estória. Em muitos casos, Ginko chega numa vila, ajuda em algo e volta apenas meses depois para verificar o andamento da situação. Isso se passa em um único episódio, ficando subentendido que, no tempo que esteve fora daquele vilarejo e que não foi mostrado no episódio, ele poderia estar engajado na estória de algum outro episódio. Então, tal como em casos médicos comuns, a evolução das situações que envolvem algum mushi também é lenta. Tudo no anime transcorre com muita serenidade.
Ainda dentro desse aspecto da calmaria que reina em Mushishi, o traço conservado no anime, a trilha sonora e o andamento da animação correspondem perfeitamente com isso. Ginko não entra em luta corporal contra os outros, mas está sempre conversando e ponderando como poderia resolver situação ou outra. Nesse ponto, o anime é bem realista, pois é assim que provavelmente seria a sua ocupação de verdade caso existisse. Em quesito de traço, impera uma leveza absoluta. A opção por cores mais claras, serenas e não muito saturadas foi oportuna, pois assenta bem com o espírito da série. A imagem mais forte que me ficou evidente como seu “espírito” foi a de florestas úmidas e dias nublados perto das montanhas, com o silêncio vivo da natureza em harmonia com o burburinho das ocupações bucólicas dos habitantes. Na parte de sonoplastia, nunca há nada exagerado ou que excite muito os sentidos; os episódios são marcados pelo som de um piano minimalista e calmo e pelo som de sinos, escolhas justificadas pela contextualização de todo esse ambiente que evoquei. É um Japão idílico, místico e perene; a alma cultural rural que vive na memória dos seus habitantes e persiste como uma espécie de paraíso de natureza encantada, viva e cheia de alma.
Referências
FONTE 1
FONTE 2
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Mais postagens minhas sobre animes:
**Cowboy Bebop | Fate Apocrypha | Ghost in the Shell: Stand Alone Complex | Noir | The Ancient Magus Bride **
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