Curiosa jornada de dois fantasmas que percorrem o Caminho de Santiago para voltar a vida. Um filme mais voltado ao valor artístico.
Direção: Sergio Caballero | Gênero: Fantasia
Ano: 2010 | Nota no IMDB: 6,5/10
ESSE TEXTO CONTÉM ALGUMAS INFORMAÇÕES QUE PODEM SER INTERPRETADAS COMO SPOILERS (apesar de eu ter evitado colocar as partes vitais da trama)
Finisterrae é uma jornada sobrenatural. Retrata dois fantasmas que, cansados de vagar no limbo, buscam fazer a peregrinação através do Caminho de Santiago, na Galícia, para alcançar a condição mortal novamente. Esse caminho é conhecido pela sua natureza voltada à peregrinação, atraindo milhares de pessoas que percorrem seus vários caminhos, com centenas de quilômetros, até chegar no “fim do mundo”, em Finisterrae, um ponto no litoral da Galícia que por muito tempo era considerado como o local mais ocidental do mundo. A peregrinação tem conotações religiosas e é feita há muito tempo como atividade ascética e devocional.
Porém, que não se engane com isso, pois o filme não é sobre religião ou devoção espiritual. Finisterrae é repleto de absurdos que podem ser vistos como artifícios de humor ou mesmo de sátira dentro do universo cinematográfico. Apesar de alimentar a trama, a busca espiritual – ou mortal por optar pelo inverso da busca pela mortalidade? – parece um pouco deslocada, secundária, monótona diante da jornada empreendida pelas duas almas.
Sentimos um pouco de Em Busca do Cálice Sagrado (Monty Python) no humor peculiar do filme, o de uma jornada pelo sobrenatural (ou pelo natural?) submetida a desfechos cômicos absurdos. Percebe-se algo no estilo de Tarkovsky na opção de fazer os fantasmas falarem russo, com aquela voz pausada e aparentemente poética e existencial (ou a nós associada a isso dentro do cinema) somando-se ao mundo monótono de uma distante jornada por paisagens frias, mesmo que a voz não esteja sempre dizendo coisa profunda.
Finisterrae brinca bastante com a questão do absurdo e da transformação das coisas. Sutilmente, ele rompe o convencionalismo da nossa projeção artística do mundo fantasioso de contos de fada e mesmo de filmes significativos. Usando de ferramentas surreais, o filme alcança bem tal resultado. Uma floresta cheia de árvores com orelhas, onde vozes aleatórias ecoam; animais que em um momento são reais e em outro se tornam criaturas artificiais como bonecos; a morte inexplicável de uma hippie aleatória pelo caminho; uma criatura estranha do submundo que insiste em segui-los ou rituais aparentemente aleatórios. As convenções do nosso utilitarismo habitual não são saciadas pelos protagonistas. Poderia dizer que não há conto de fadas que se renda assim ao absurdo, mas estaria sendo injusto; o mundo dos contos de fadas e das estórias populares é cheio de absurdos onde a causalidade não obedece qualquer regra intramundana: coma essa maçã e pessoas irão morrer! Meia-noite, sua carruagem virará abóbora! Talvez o exemplo que mais me cativou dessa desconstrução da nossa própria fantasia de fantasia venha do fato de, aos poucos, o lençol dos fantasmas ir sujando em virtude do contato com a terra. Que tipo de fantasma, cativo de suas tradicionais vestes brancas eternizadas na cultura popular, tem sua superfície suja pela substância terrena?! Exatamente em que plano de existência vagam esses fantasmas? Eles já não estariam vivos? Que buscam eles?!
O filme de Caballero parece um tipo de brincadeira com os filmes de jornada, mas uma brincadeira muito bem feita em sua sutileza. É interessante notar que este é o primeiro longa-metragem do diretor, que até então só tinha realizado obras como compositor musical e artista plástico. Apesar de muitos não ficarem satisfeitos com alguns aspectos do filme, creio ser válido ver o filme como o trabalho de um artista, mesmo sendo sua primeira obra no formato. Seu ataque inicial no cinema já envolve uma linguagem madura que contempla elementos da história do cinema e desafia suas zonas-de-conforto.
Outro lugar de destaque em Finisterrae está no deleite visual ofertado; as paisagens da Galícia são mais que perfeitas para cinematografar um conto inusitado desses. A fotografia é excelente. A imagem dos dois fantasmas vagando e cavalgando pelas paisagens galegas é muitíssimo agradável aos olhos. Essa imagem emblemática de vultos cobertos por lençol (que tem origem há alguns séculos, tomando as mortalhas brancas como base) em paisagens que receberiam facilmente o adjetivo de fantasmagóricas obtém um resultado visual estonteante. Contudo, o filme tem um passo muito lento, talvez em homenagem aos filmes de jornada existencialistas, o que pode deixar o telespectador um pouco exausto. É aquele filme que você vê, apaixona-se pela fotografia e alguns detalhes, mas corre risco de ficar a par dos significados e do contexto, mas, assim que lê opiniões e críticas sobre ele, acaba aumentando o seu apreço pela obra. Ao fim do filme, uma surpresa; ao invés de créditos lançados na tela como texto-que-poucos-leem, créditos pronunciados por um narrador. Por algum motivo, obriguei-me a ouvi-los até o fim. Até os animais surgem nos créditos, os cavalos com nomes de Napoleão e Kyfruc, o sapo com nome de Victoria e a coruja de Tyson. Dá a entender que esses são os nomes dos animais. Aliás, o filme faz um belo trabalho com os animais, que, mesmo restritos à incomunicabilidade algumas vezes, participam como personagens de alguma forma na trama.
Referências
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