É a primeira vez que ela não tem resposta pra uma pergunta, e é a primeira vez que ele perde o controle diante de uma situação desagradável. Foi depois de mais uma discussão que iniciara ainda pela manhã, sem motivo aparente. Ele queria fazer uma coisa, ela queria que ele fizesse outra. Coisas do dia a dia. Coisas da vida.
Desde o início, eles enfrentaram muita dificuldade, desde financeira até a família dela, que não aprovava os dois. Ela filha mimada, querida, criada com extremo cuidado. E ele filho da rua, da vadiagem. Desde pequeno aprendeu a manha de dançar conforme a música. Desde muito tempo, ele sabia como se portar diante das dificuldades sem perder a calma.
Foi assim, como dois polos diferentes de um imã que eles se aproximaram. Ela ficou curiosa em saber quem era o garoto que tanto se falava na escola. Ela, garotinha bonita, estudava durante o dia, e ouvia histórias sobre o guri que estudava à noite e tanto aprontava na escola. Não que fosse uma pessoa errada. Não era mau, não era marginal, nem nada do tipo. Mas fazia coisas que todo mundo duvidava. Passava as noites na lanchonete da escola com um violão e uma roda de amigos. Era popular o garoto. Ela, garotinha tímida.
O ponto de ônibus foi o lugar escolhido para esse encontro. Ele passou, olhou para aquela menininha e se aproximou. Conversaram muito naquele dia, e se tornaram amigos. E ali surgiu um interesse mutuo que acabou por se tornar algo maior.
Ela deixou muita coisa pra trás pra poder ficar com ele. Deixou amigos, deixou sua vida pra se dedicar a alguém que ela achava que conhecia.
Ele por sua vez, abandonou baladas, abandonou sua melhor amiga, que era a noite. Deixou pra trás a rua, sua verdadeira escola.
De repente, os dois se viram casados. Quem diria que a princesinha e o vagabundo seriam um só. Os anos passaram, os dois se amaram. Um amor diferente, apesar de não se desgrudarem, apesar de terem um pelo outro um sentimento muito forte, parecia que estava sempre por acabar, como se qualquer coisa pudesse separar essas duas pessoas.
A vida os pôs a prova. Colocou pedras em seu caminho, eles desviaram. Trouxe problemas dos mais variados, eles superaram.
Quando mais nada poderia terminar essa história, algo terminou.
Agora ela está chorando no quarto sem resposta pra pergunta que ele fez.
- Você quer que eu vá embora?
E ele está descontrolado. Sentado no sofá da sala, chora, esmurra a parede como se fosse ela a culpada por todos os problemas que ele está passando.
Ele tenta se acalmar, levanta e vai até o quarto. Ela está deitada com a cara no travesseiro, sem coragem de olhar nos olhos dele.
Sentado ao lado dela, ele olha para os móveis do quarto como numa despedida. Seus olhos param sobre a cômoda, onde fica um retrato dos dois. Ele lembra do dia que tiraram aquela foto. Sete anos antes, na praça da cidade. Era a noite do aniversário dele e o presente foi um beijo e um abraço. O melhor que ele já ganhara na vida, pois foi o mais sincero.
Ele levanta, vai até lá, pega o retrato e o aperta contra o peito. Pega uma caneta e escreve algo no verso. Recoloca a foto no mesmo lugar que estava antes e sai, pega suas coisas e vai. A porta se fecha.
Ela levanta, é sua vez de abraçar a lembrança do início de seu namoro. Olha o verso do retrato e lê na caligrafia torta e quase sem compreensão dele.
“Não chore esta noite. Eu apenas te amo".