Meta AI lê suas conversas no WhatsApp? Entenda o que a IA pode ou não fazer
A Meta AI, inteligência artificial (IA) da Meta (dona de WhatsApp, Facebook e Instagram), chegou ao Brasil e gerou muita curiosidade. A ferramenta, que permite aos usuários criar figurinhas, imagens e conversar com um assistente de IA, levantou questões sobre o uso de dados de seus usuários. A principal delas é se a IA consegue ler todas as conversas que acontecem no aplicativo de mensagens. Mas resposta não é tão simples.
A Meta AI foi anunciada em setembro de 2023 com o objetivo de integrar funcionalidades de IA a todos os aplicativos da companhia. Ou seja, ela serviria como um grande chatbot esperto, como o ChatGPT, não apenas para o WhatsApp, mas também para Instagram, Facebook e Messenger.
Para isso, a Meta AI utiliza como "cérebro" um grande modelo de linguagem (LLM) criado pela companhia de Mark Zuckerberg, chamado Llama 3.2. Segundo a companhia, o Llama foi "alimentado" com um conjunto de dados massivo e diversificado, incluindo trilhões de palavras de páginas da web, repositórios de código aberto, livros e artigos científicos, além de informações de páginas da web. Tudo isso é feito para que a a IA aprende padrões de linguagem para oferecer informações relevantes e confiáveis.
Isso já fazia com que a Meta AI apresentasse um bom nível de funcionamento antes mesmo de chegar ao WhatsApp. O problema é que a Meta também usa dados e conteúdos publicados nos serviços da companhia para aprimorar a Meta AI - ou seja, os posts nos feeds do Facebook e do Instagram também são valiosos pontos de apoio para o chatbot.
Isso gerou um impasse com a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) antes da estreia do serviço no Brasil. A permissão inicial obtida pela Meta para a coleta de dados dos usuários para fins de treinamento da IA gerou questionamentos sobre a conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), culminando na proibição, em julho deste ano, da coleta de dados para esse fim.
Sem a possibilidade do uso dessas informações, a Meta, em resposta à determinação da ANPD, elaborou um plano de conformidade, visando, segundo a empresa, garantir a privacidade dos usuários e a conformidade com a LGPD. O plano estabeleceu medidas como a notificação transparente aos usuários sobre a coleta de dados, a garantia do direito de oposição e a exclusão de dados de menores de 18 anos do conjunto de dados utilizado para o treinamento da IA.
É aí que entra a criptografia. A ferramenta é um mecanismo de segurança que assegura a privacidade das comunicações entre os usuários. Desde abril de 2016, o aplicativo implementa a criptografia de ponta a ponta em todas as formas de comunicação, incluindo mensagens de texto, chamadas de voz, videochamadas e compartilhamento de arquivos.
De acordo com a Meta, ao instalar o aplicativo, ele gera um par de chaves criptográficas exclusivo para o dispositivo: uma chave pública e uma chave privada. A chave pública é compartilhada com os contatos, enquanto a chave privada permanece armazenada no dispositivo do usuário.
Quando uma conversa é iniciada, o WhatsApp troca automaticamente as chaves públicas entre os dispositivos dos participantes. Ao enviar uma mensagem, o aplicativo a criptografa no dispositivo do remetente usando a chave pública do destinatário. A mensagem criptografada é transmitida pelos servidores do WhatsApp até o dispositivo do destinatário. Durante o percurso, o conteúdo permanece inacessível a terceiros, incluindo o próprio WhatsApp. Ao receber a mensagem, o dispositivo do destinatário utiliza sua chave privada para descriptografá-la.
Resumindo: sua mensagem fica ilegível para qualquer um, tanto para o WhatsApp, quanto a Meta AI, por exemplo.
Assim, segundo a Meta, a IA não consegue ler o conteúdo de conversas no aplicativo de mensagens. "A IA só pode ler e responder mensagens que mencionam "@Meta AI" e as mensagens que são parte de uma conversa específica com a Meta AI. As demais mensagens de uma conversa não são lidas pela ferramenta", diz a Big Tech. Ou seja, é impossível que a Meta AI leia ou veja uma mensagem que não foi enviada a ela.
A coleta de dados para o treinamento da IA se restringe, então, apenas aos dados fornecidos pelos usuários durante as interações com a ferramenta, como comandos, perguntas e avaliações, além de informações públicas disponíveis na internet. "As conversas com inteligência artificial são diferentes das suas conversas pessoais. Quando você usa esses recursos, a Meta recebe seus comandos, as mensagens enviadas à IA e sua avaliação para fornecer respostas relevantes para você e para aprimorar a qualidade dessa tecnologia" diz a empresa.
A companhia também diz que a Meta AI não vincula os dados pessoais da conta do WhatsApp aos dados do usuário em outras plataformas da Meta, como Facebook e Instagram. Segundo a empresa, esses esclarecimentos são feitos aos usuários diretamente no aplicativo antes e durante o uso da Meta AI no WhatsApp.
Mas ainda há "zonas cinzentas". Algumas questões nos termos de privacidade da Meta AI ainda geram dúvidas. A principal delas se refere ao uso de dados para o treinamento da IA. Apesar de a Meta afirmar que a coleta de dados para treinamento da IA ocorre apenas com o consentimento dos usuários, a forma como esse consentimento é obtido e a transparência sobre quais dados são coletados e como são utilizados ainda geram questionamentos.
De acordo com Lucas Maldonado, especialista em direito digital pela FGV, "todas as informações essenciais quanto ao tratamento de dados devem ser fornecidas pelos controladores de forma clara e acessível para os titulares". Nesse caso, não ficou especificado se todos os dados compartilhados com a IA ou apenas alguns deles selecionados são utilizados para o treinamento da ferramenta.
Outro ponto que merece atenção é a impossibilidade de remover a Meta AI do WhatsApp. A ANPD esclareceu ao Estadão que não houve nenhum acordo com a Meta nesse sentido e que a permanência da Meta AI no aplicativo não fere a LGPD, desde que a coleta de dados para treinamento da IA seja feita com o consentimento dos usuários. "Não houve acerto entre a ANPD e a Meta no que se refere a isso", disse a autoridade.