As redes sociais estão cheias de encenações de felicidade. E acho até que não há nada demais em sermos atores na vida. O que é prejudicial é começar a acreditar nas mentiras que nós mesmos inventamos. É começar a acreditar que somos a imagem que criamos diante dos outros, imagem que foi cristalizando em nós com o passar dos anos, até que nós mesmos não saibamos mais separar o ator do personagem.
Vi um artigo uma vez intitulado ""20 fotos de casamento que você precisa tirar". E aí, fui conferir essas 20 fotos por curiosidade. Uma delas trazia uma legenda mais ou menos assim: Escreva uma carta romântica para o seu marido antes da cerimônia. Isso dá uma ótima foto! O compilado para noivas sugeria que a pessoa escrevesse a carta SÓ PARA FOTOGRAFAR! Como algo assim pode ter se tornado tão natural?
Eu não sei se o público desse compilado, que tenta transparecer estar feliz, também experimenta momentos de felicidade verdadeira e simplesmente separa a encenação da realidade. Mas penso que se experimentassem, não necessitariam de nada disso. A beleza da vida está na espontaneidade e na imprevisibildiade. Sei que os melhores de nossas vidas não serão registrados em fotos, pois estaramos certamente vivenciando-os e, provavelmente, as pessoas ao redor também. Sei que provavelmente os melhores momentos da minha vida não tiveram e não terão datas previstas ou planejadas, pois a felicidade não é algo que se possa agendar. Não podemos encontrá-la simplesmente procurando por ela, o que podemos fazer é abrir espaço em nossas vidas para que momentos felizes nos encontrem. Esses momentos de felicidade, os verdadeiros, nos encontram, passam... e não há necessidade de contá-los aos quatros cantos. Mesmo porque ninguém entenderia o que sentimos. Felicidade não é algo que possa ser traduzido em palavras. Todo mundo sabe disso. Então para que tanta encenação?
Para quem vive momentos de felicidade e mesmo assim participa desse mundo de encenações... vale reforçar a lembrança de cuidar para que o ator não acabe se confundindo com o personagem. Com o tempo, aparentar estar feliz e em paz pode passar a ser mais importante do que, de fato, estar. Com o tempo, o prazer de aparentar ser algo que não se é realmente pode tomar o lugar da satisfação de ocupar o nosso lugar real no mundo, um lugar que não é nenhum cenário perfeito, muito menos confortável, é simplesmente o nosso lugar. Mas por que essa fuga da nossa realidade tal qual é? Será que existe algo de legítimo na busca por essa satisfação, que as pessoas fingem vivenciar? Se há, em que momento e por que desacreditamos de alcançá-la em nossa própria vida a ponto de tentar recriá-la em um mundo falso?
Quando nos afastamos de nós mesmos para não vivenciar as nossas dores e fraquezas não somente deixamos de crescer com elas como perdemos também o contato com as nossas virtudes. E aí, maior é a nossa necessidade de também recriá-las em um mundo falso.
A lembrança da nossa própria morte seria capaz de nos despertar de nossas ilusões? Se fôssemos capazes de realmente refletir sobre o fato de que vamos morrer, tomando esse fato como uma sentença e não como uma ideia vaga, essa "lembrança" da morte teria o poder de colocar cada coisa em seu lugar, fazendo com que as mentiras que contamos para nós mesmos viessem à tona?
Recentemente passei por uma loja de caixões e fiquei perplexa quando percebi que os caixões exibidos na vitrine, escolhidos por serem mais atrativos, eram caixões de times de futebol. Refleti sobre como podemos passar a vida toda escondidos atrás de rótulos que nós mesmos criamos a ponto de carregá-los ao túmulo. Somos capazes de nos esconder atrás do rótulo da nossa profissão, do nosso título de mestre ou doutor, do conhecimento que acumulamos, do nosso currículo, do nosso time de futebol, do nosso ídolo, da arte que criamos, das música que compomos, do hábito de vida que levamos, da alimentação saudável que possuímos e, enfim, de todas as REPRESENTAÇÕES vagas de nós mesmos, que nem ao menos passam perto de quem somos de verdade, nem da nossa missão nesse mundo. Como podemos correr o risco de alimentar ilusões sobre nós mesmos das quais não podemos nos libertar nem com a lembrança de que nós, e todas as pessoas que conhecemos, vamos morrer?...
A morte carrega para nós algo de pesado e negativo. É certamente doloroso pensar na morte quando sabemos, no fundo, que não estamos experimentando a VIDA por inteiro. É doloroso lembrar que vamos perder a vida que nunca nos permitimos VIVENCIAR. Mas, lembrar que vamos morrer, não se sabe quando, nem onde, deveria nos fazer despertar.
Assisti recentemente àquele filme infantil que trata do tema da morte, "A Noiva Cadáver", junto com uma criança de seis anos. A criança percebeu algo intencional no filme. Ela me perguntou por que que no desenho os vivos parecem mortos e os mortos parecem vivos. Os vivos são cheios de formalidades, vaidades, aparências e confusões. Os mortos são muito mais leves e aparentam estar muito mais satisfeitos consigo mesmos, exceto a noiva cadáver, que levou para a morte fatos trágicos e ilusões de quando estava viva. Na história, tudo flui para que a noiva cadáver liberte-se, não realizando o seu desejo, mas libertando-se das ilusões do mundo dos vivos.
Lembrar da morte deveria nos fazer entrar em contato com a nossa verdade, com a nossa própria vida, do jeito que é, cheia de momentos de felicidade e satisfação, mas também cheia de obstáculos internos e externos, cheia de pendências a resolver, cheias de metas não realizadas, de palavras não ditas, de objetivos primordiais deixados de lado.. cheias de complexos a serem vencidos, apegos, vaidades e preconceitos. Enfim, cheia de virtudes, mas também cheia de dores e de lutas.
Lembrar da morte pode ser desagradável, mas pode ser também a nossa única chance de despertar a tempo e de começar a buscar em que ponto da vida deixamos de encarar a nós mesmos. É absurdamente estranho como evitamos falar da morte, mas somos capazes de sentenciá-la, sem saber, antes mesmo que ela chegue, mergulhados em um mundo de ilusões, vivendo às margens de nós mesmos...
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É incrível como tudo na vida nos induz a distrações. Penso que era muito mais fácil se conhecer e viver plenamente nos séculos passados, quando a tecnologia não prejudicava nosso autoconhecimento e consciência. Nos dias de hoje estamos sempre procurando suprir um vazio que não conseguimos encarar. Seja com música, netflix, livros, festas, bebidas,jogos e etc. Estamos sempre fugindo da realidade.
Ótimas texto, reflexões pertinentes sobre como estamos vivendo.
Sim. Sinto isso tambem. Tenho separado algum tempo por dia so comigo mesma livre de distrações. Durante esses momentos, tento trazer a atenção para o momento presente, ao invés de ficar pensando em coisas diversas e sem conexão com o AGORA. Pois, muitas vezes estamos completamente perdidos "dando corda a pensamentos e preocupações banais"... e isso também é uma espécie de distração mental.... Tem sido uma experiência excelente.
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