O corte de verbas da CAPES e o perigo do apagação científico e educacional brasileiro

in #pt6 years ago (edited)

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Na quinta-feira passada, 2 de agosto, o conselho superior da CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior informou em nota pública que a pesquisa brasileira passará por momentos difíceis no próximo ano caso o Governo Federal mantenha a proposta orçamentária para 2019.

De imediato surgiu a notícia alarmante de que cerca de 200 mil bolsas poderiam ser suspensas a partir de agosto de 2019, sendo 93 mil de pós-graduação (mestrado, doutorado e pós-doutorado) e outras 105 mil de programas de formação de professore da educação básica.

Se isso de fato vier a acontecer, teremos um verdadeiro apagão na pesquisa científica de ponta no país com reflexos severos também na educação!

O que é CAPES?

A CAPES, fundação ligada ao MEC - Ministério da Educação, é a maior agência financiadora de pesquisa do Brasil.

Sem dinheiro da CAPES, a pesquisa brasileira praticamente deixa de existir. E os estudantes de pós-graduação, futuros pesquisadores e formadores de outros novos pesquisadores, não têm como continuar seus estudos, o que a médio prazo significa desfalcar o time de cientistas brasileiros nos próximos anos.

Eu mesmo já fui beneficiado com bolsa da CAPES em 2010 para participar da Escola de Física do CERN em Genebra, na Suíça. Fui um dos 20 professores¹ de ensino médio contemplados com esta oportunidade ímpar de conhecer de perto a Ciência de ponta que se pratica no CERN - Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear onde funciona o LHC- Large Hadron Collider, o maior acelerador/colisor de matéria já construído em todos os tempos. Saiba mais neste post onde me apresento aqui no Steemit e neste outro post no qual conto a história da web que nasceu dentro do CERN e foi posteriormente doada para a humanidade.

Montagem CERN 2010
Alguns momentos da minha participação na Escola do CERN 2010 com bolsa CAPES

Veja, pelo meu exemplo pessoal, a importância da CAPES para a educação básica nacional! Cada um dos 20 professores espalhados por todo o território nacional, em troca da bolsa de capacitação, ficou encarregado de divulgar o conhecimento adquirido para seus alunos diretos bem como para a comunidade. Desta forma, cada professor passa a ser um multiplicador do conhecimento científico. Há um investimento inicial que se paga em seguida pelos resultados obtidos pós evento e que perdura por muitos anos. Por estes dias, só para você ter uma ideia, estou prestando contas (via relatório) das minhas atividades praticadas entre 2015 e 2018, oito anos depois de ter ganho a bolsa.

Depois de 2010, nos anos seguintes, já tivemos problemas de cortes de verbas da CAPES que afetaram diretamente a participação dos professores brasileiros na Escola de Física do CERN. A organização do evento foi obrigada a mudar as "regras do jogo" e os professores, incluindo os de escolas públicas, tiveram que arcar parcialmente com as despesas de viagem. Em 2017 a situação ficou crítica e foi preciso criar uma vaquinha na internet para angariar fundos para não deixar morrer a participação brasileira neste projeto internacional importantíssimo! Dá para acreditar como as coisas andam para trás neste país? E dá para perceber onde tudo isso vai parar quando um Governo não se preocupa de forma séria em equacionar com inteligência os problemas reais da nossa sociedade?

O problema de verba na CAPES só vem, infelizmente, se agravando mais e mais.

A resposta rápida, porém duvidosa, do Governo

Na sexta-feira, 3 de agosto, no período da tarde, aconteceu uma reunião entre os ministros Rossieli Soares, do MEC, e Esteves Colnago, do Planejamento. Desta reunião surgiu o seguinte comunicado oficial:

"O Ministério da Educação reafirma que não haverá suspensão do pagamento das bolsas da Capes. Em reunião na tarde desta sexta-feira (03), os ministros da Educação, Rossieli Soares, e do Planejamento, Esteves Colnago, discutiram medidas estruturantes para a área da educação em seus diferentes níveis, bem como o orçamento para o próximo ano. As esquipes dos dois ministérios têm realizado frequentes reuniões para tratar do tema. A valorização da educação é uma das prioridades do governo federal que, em dois anos, adotou medidas importantes para o setor, como a Lei do Novo Ensino Médio e a homologação Da Base Nacional Comum Curricular da educação infantil e do ensino fundamental.""

O Governo esclareceu que a reunião do dia 3 de agosto entre os ministros já estava agendada. Particularmente, duvido. É prática comum deste Governo impopular correr atrás de repercussões negativas e tentar dar uma abafa.

No comunicado oficial o Governo se diz preocupado com a educação e cita como "exemplo tranquilizador" a reforma do Ensino Médio e a criação da BNCC - Base Nacional Comum Curricular sobre a qual paira muita polêmica e discórdia. A SBF - Sociedade Brasileira de Física oficializou há poucos dias via carta ao CNE - Conselho Nacional da Educação pedido de reformulação da proposta da BNCC e da Lei nº 13.415 de 2017 que abre perigosa possibilidade do fim da obrigatoriedade da área de Ciências da Natureza que abriga as disciplinas de Física, Química e Biologia no Ensino Médio. Postei sobre este episódio. Confira em detalhes neste post.

Para tudo o que vem deste Governo, tenho sempre os dois pés para trás. Já disse que virei uma espécie de Curupira! Afinal, um Governo ilegítimo e com pífia aprovação popular serve a quem? Não deveria sequer se meter a fazer reformas tão estruturais para o futuro do país.

Fico bastante TEMERoso sobre o que ainda pode vir por aí nos próximos meses...




Abraço do prof. Dulcidio. E Física na veia!





¹ Foram mais de 400 projetos inscritos de professores de todo o território brasileiro. Destes, vinte foram escolhidos para a edição 2010 do evento.

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Infelizmente no Brasil praticamente não existe financiamento privado de pesquisas. Então a ciência, como quase tudo nesse país, acaba ficando na mão de governos.

Obrigado pelo comentário @discernente!
Acredito que, com mais investimento público em Ciência, Tecnologia e Inovação, empresas privadas poderiam sentir-se mais seguras para também investir em pesquisa.
Uma engrenagem está ligada a outra e a outra... Mas o Governo, num país tão carente como o nosso, deveria ser o principal motor fazendo girar forte a primeira engrenagem. Infelizmente, não é.
Falta de visão? Não acredito. É tudo muito óbvio demais. Até onde sei a boa Ciência não paga propina. Acredito mais que seja este o problema. Aqui no Brasil, o que não gera propina, não prospera. Incrível! Surreal!
Abraço. E Física na veia!

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Excelente artigo, mas gostaria de saber a sua opnião sobre os seguintes pontos:

  1. A questão da não continuidade das pesquisas: muitos mestrandos e doutorandos entregam os seus trabalhos de conclusão, mas a pesquisa não tem continuidade causando um grande desperdício financeiro, material e humano.
  2. A não integração entre pesquisas semelhantes: existem diversas pesquisas sendo feitas no país e no exterior que são muito parecidas ou até mesmo que já foram realizadas, posto isso acredito que exista muito espaço para otimização de recursos.
  3. A pesquisa no Brasil é muito voltada para a academia e muitas vezes não olha para o mundo real, para gerar produtos ou inovações que possam ser utilzadas pelo governo ou pelas empresas. Depender unicamente de verba pública para pesquisa no Brasil me pareceu sempre um tanto complicado visto que cada governo atua de forma específica e de acordo com as condições macroeconômicas do mandato.

Obrigado @renanmg!


Sobre 1 e 2:
Todo sistema tem seus vícios. No Brasil, o país do "jeitinho", nem se fale. Deveria haver mais inteligência fiscalizando os bolsistas e suas pesquisas e criando mecanismos para minimizar tais distorções. Mesmo assim, as bolsas mantém uma massa crítica de pesquisadores ativos importante para o país e, portanto, precisam existir pelo bem da nossa Ciência.
Sobre 3:
A pesquisa de base, penso eu, não tem que estar preocupada com aplicações diretas. Empresas de tecnologia é que devem ter um olhar atento às pesquisas de base para aproveitar o conhecimento puro e transformá-lo em tecnologia. Quer um exemplo? O fenômeno da Magnetoresistência Gigante, Nobel de Física 2007, chamou a atenção da Apple para a possibilidade de construir um HD de alta capacidade mas de tamanho reduzido. Nasceu assim o icônico iPod Classic com armazenamento de 160 Gb. O fenômeno foi descoberto em 1988, época em que nem sonhávamos com iPod. Coube à Apple entender que havia ali uma oportunidade ímpar de fazer um equipamento revolucionário e gerar/ganhar dinheiro.
Mas esse tipo de ação só acontece se existir um "ecossistema" completo de pesquisadores financiados por dinheiro público ou pela iniciativa privada e empresas conectadas a eles. Cabe ao Governo, com inteligência, criar e manter tal ecossistema, incentivando as pesquisas e incentivando as empresas de tecnologia e inovação para que se instalem no país e utilizem o conhecimento aqui gerado. É um projeto para anos, com visão de futuro, algo com o que sonho mas nunca vi acontecer por estas terras.


Abraço. E Física na veia!

Obrigado pela resposta amigo, concordo com você que manter o investimento em ciência é extremamente importante para o país.

Seu ponto é interessante, mas me referi pensando no mercado e nas empresas como uma fonte alternativa de investimento em pesquisa que hoje praticamente inexiste no Brasil. Agora, cabe a nós aproveitarmos as eleições para pressionar os políticos acerca dos recursos para este fim tão nobre.

Grande abraço!

Você escreveu "... no mercado e nas empresas como uma fonte alternativa de investimento em pesquisa...". Foi o que chamei de "ecossistema". Se houver incentivo do Governo, as empresas aparecem. E estando por aqui podem começar a investir em pesquisa. Seria fantástico! Hoje dependemos diretamente do Governo que, infelizmente, não valoriza a Ciência e a consequente Tecnologia no nível necessário para fazer o "ecossistema" funcionar. As engrenagem giram muito devagar e falta lubrificação. Temos um potencial gigante de inteligência científica mas a máquina é "travada". Caminhamos muito devagar num mundo veloz. E sempre vamos ficando pra trás, não por falta de competência científica, mas por incompetência do esquema mal montado.
Abraço. E Física na veia!