Relatos Enteógenos - É possível alterar a consciência sem o uso de substâncias? PARTE 01

in #pt7 years ago (edited)

Sim.

Porém, é melhor que você leia o texto inteiro para compreender melhor o que quero dizer com isso.

Remains-of-Buddha-Found.jpg


Resolvi utilizar a mesma série a respeito dos enteógenos, por que de certa forma este tema está interligado, e se você está se questionando sobre o que são enteógenos, talvez seja melhor você ler essa série do começo:

Relatos Enteógenos


Partindo do princípio que vocês leram ou já conhecem o tema, podemos ir direto ao que interessa. É possível alterar sua percepção da realidade sem o uso de substâncias? Veja bem que deixei dei usar o conceito proposto no próprio título "alterar a consciência" por que quando observamos esse termo por um viés filosófico, psiquiátrico ou científico, fica bastante confusa e equivocada a proposta de "alterar a consciência". Então, de forma prática, o que temos em todo e qualquer caso é uma alteração da sua percepção de realidade. Você observa o mundo de uma forma até então não comum. E assim, conseguimos clarear o próprio tema desde já. Afinal, para alterar a percepção de realidade você nem precisa ir tão longe, ontem você acreditava no papai noel e podia jurar que escutou ele entrando na sua casa para deixar os presentes, porém hoje, já não crê mais.

Mas sei bem o que esperam desse texto e não vão se contentar com blá blá blá de filosofia de primário a respeito de "visão de mundo" e coisas do gênero. Então vamos seguindo nosso raciocínio direto ao ponto.

Inúmeras doenças psicológicas "como a esquizofrenia" podem nos dar as mais diversas gamas de alterações da percepção. Alguns tipos de distúrbios inofensivos como a sinestesia nos faz ver cores em sons, cheiros em letras e assim por diante. Mal conseguimos compreender o quanto é possível sair do padrão. Inclusive lembro de ter lido em algum livro desses pops que intercalam ciência com relatos, que na verdade, nosso cérebro faz um trabalho descomunal, absurdo para manter as coisas "dentro da normalidade", uma "coisinha fora do lugar" é o suficiente para transformar nosso universo particular.

Aqui vale algumas coisas interessantes que gostaria de compartilhar com vocês:

Louis Wain foi um artista britânico do final de 1800 que pintava gatinhos para calendários. Sabem aqueles fofos gatinhos pescando, jogando cartas, brincando... Pois é. Porém, Wain tinha esquizofrenia, passou seus últimos 15 anos internado em hospital psiquiátrico e graças ao seu potencial artístico, podemos ver a evolução gradual e incrível de sua doença em relação ao seu tema, os gatos.

Aqui estão algumas imagens "normais" que Louis Wain pintava:

1930s-uk-louis-wain-cats-book-plate-expjm0.jpg
1898_LouisWain_TheNaughtyPuss_IllustrationChronicles_1500.jpg

E então, temos essa progressão de sua psicose/esquizofrenia retratada de forma inacreditável através dos gatos. Notem o olhar dos gatos como se torna de certa forma "maníaco" e assustador até dissolverem-se em padrões fractais assustadoramente semelhantes aos experimentados por uma experiência enteógena de alto grau de potência, como com o uso da Dimetiltriptamina, por exemplo:

Progression_Louis_Wain_IllustrationChronicles_1500.jpg
Louis-Wain-Cats-louis-wain-29587647-1275-848.jpg

Tais padrões representavam a visão de mundo de Wain em seu estado final de esquizofrenia. Sendo assim, como eu disse acima, o estágio final tão semelhante (em termos visuais) a uma experiência de DMT (uma das substâncias presentes na ayahuasca), podemos compreender que para se ter uma alteração não só física, mas mental, emocional, psicológica, não precisamos de qualquer substância externa.

Posso ainda dar o exemplo de Jill Bolte Taylor, essa pesquisadora neurologista que teve um derrame cerebral e pode observar isso "de dentro", porém só se deu conta de que estava tendo um derrame quando estava praticamente alcançando o "Nirvana" durante sua tentativa de tomar banho e vendo o universo se fragmentar e dissolver...

É um pouco complexo para nossa cabeça leiga em ciência médica/biológica compreender que quando ingerimos certas substâncias, não estamos de fato jogando ela no nosso cérebro diretamente. Mas sim que estamos trabalhando com descargas de neurotransmissores, recaptadores e coisas do tipo. E as mesmas sensações podem ser simuladas/executadas sem o uso da substância X. Porém, é claro. Até onde eu sei, você não tem um catálogo com todos os tipos de sensação que quer sentir e então segue o passo a passo para sentir-se chapado de Heroína, ou flutuando no cosmos da transcendência budista, apesar de que existem algumas inovações peculiares nesse sentido, como o "I-doser", que irei comentar na sequência do artigo.

Ok. Não controlamos as experiências diretamente, não é opcional, como seria ao fumar um baseado para experimentar o "high" que ele oferece, mas, respondendo ao questionamento do título do artigo. Sim, podemos alterar a "consciência" sem o uso de substâncias! E irei destrinchar isso na continuação desse artigo. Resolvi faze-lo em dois para não me estender demais. Acho que podemos trocar algumas boas ideias a respeito do tema. Espero poder contar com uma boa conversa com o amigo @Matheusggr para aprofundar um pouco isso tudo!

E na continuação do artigo falarei a respeito de indução da alteração da percepção de realidade através de: Meditação, Estados emocionais, ferramentas tecnológicas e técnicas variadas

Fonte das imagens: 1, 2, 3, 4 e 5


Obrigado por ler!**


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Já tinha lido seu post, mas precisava de mais tempo para comentá-lo. Muito bom trazer aqui essa discussão. Mesmo sendo difícil discuti-la em linguagens diferentes que temos. Só caminho diferente na questão da filosofia, o mais importantes estudiosos sobre o funcionamento mental, tem suas referencias na filosofia. O que claro não era intuito do post, só acho importante frisar isso. E concordo com a alteração da consciência em uso de psicoativos, realmente é, só que as vezes consciência irá significar conceitos diferentes, até na própria medicina. Pois não estamos quantificando a mesma, que é o conceito mais comum, de acordado, ou rebaixado. O sono é uma alteração fisiológica da consciência. No contexto da substancia, temos uma alteração qualitativa da consciência, é um conceito diferente e mais sutil. O que é diferente nas psicoses primárias como a esquizofrenia, onde nao seria a consiencia alterada, seriam outros fatores estruturais psiquicos. É dificil avaliar pacientes com uso recente de substancias psicoativas, quando em intoxicação não podemos fazer diagnostico de psicose primária, pois pode ser secundária ao uso de psicoativos. Existem pessoas que usam todo dia, e crack, cocaína, é ainda mais difícil diferenciar na prática.

Essa dificuldade se da muito, pelos conceitos teóricos ao qual referimos o que seria consciência, e como estamos avaliando. É uma discussão muito rica, e ao mesmo tempo difícil, pois não sei usar termos que sejam em comum, vou tentando aqui, algum dia falo mais sobre consciência.

Ao mesmo tempo esse quadro que traz, e o qual temos muitos pacientes que fazem também. E traz muito coerentemente, o quanto representava a visão do mundo do Wain. É exatamente isso, não dá para saber o caso dele em especifico, pois interpretamos uma historia, mas é muito da psicose primária, como a esquizofrenia, o que chama-se de geometrismo do pensamento, ou inteligencia mórbida. O Jung estudou muito as representações da psicose em geometrismo, no Brasil a própria Nise da Silveira também o fez, e o Jung veio aqui visitá-la para entender o estudo dela. O pensamento psicótico, é fragmentado, geométrico, pouco abstrato, é uma lógica incoerente, só coerente para o próprio psicótico, e nosso caminho é entender essa coerência. A imagem mostra bem, o abstrato dando lugar ao geometrismo, ao racionalismo dentro de uma realidade que não tem lugar para duvida, tudo passa a ter explicação e sentido, uma lógica que não pertence mais a interação social, e tao só aquela mente que em sofrimento extremo, modifica a compreensão da realidade para poder estar no mundo, e não precisa mais viver o mundo real.

Nao sei como passei, mas culturalmente, e na propria medicina geral e nos rumos da psiquiatria atual, caminhamos ao contrário. Tratamos e procuramos no sofrimento mental, que nesse caso extremo, medicações(que ajudam muito), mas que não substituem, e talvez nunca vá, isso não da para precisar, já que o futuro e a tecnologia são algo que saem até do meu abstrato, mas até o momento, e pelo menos um bom tempo, nada irá substituir o laço humano.

E aí amigo! Sua resposta é bem vasta e densa então vou separa-la em partes para discutirmos:

Só caminho diferente na questão da filosofia, o mais importantes estudiosos sobre o funcionamento mental, tem suas referencias na filosofia. O que claro não era intuito do post, só acho importante frisar isso.

Não entendi muito bem o que quis dizer com isso, por que, a filosofia sempre é bem vinda e quase convocada em meus posts, haha. Eu acho que ela permeia quase tudo que penso, ainda que nesse caso estive focado em termos de alteração psicológica/visual/mental/etc. A única ressalva que dei é de não querer apenas ruminar aquela ideia superficial de "estou vivenciando uma realidade alterada agora após ler esse artigo, não sou o mesmo, a água nunca passa duas vezes pelo mesmo rio, etc e etc". Mas sim, a filosofia está ligada diretamente a tudo que nos envolve.

O que é diferente nas psicoses primárias como a esquizofrenia, onde nao seria a consiencia alterada, seriam outros fatores estruturais psiquicos.

Poderia explicar mais sobre isso de psicose primária e secundária? E por que não é exatamente uma consciência alterada?

o que chama-se de geometrismo do pensamento, ou inteligencia mórbida. O Jung estudou muito as representações da psicose em geometrismo, no Brasil a própria Nise da Silveira também o fez, e o Jung veio aqui visitá-la para entender o estudo dela. O pensamento psicótico, é fragmentado, geométrico, pouco abstrato, é uma lógica incoerente, só coerente para o próprio psicótico, e nosso caminho é entender essa coerência. A imagem mostra bem, o abstrato dando lugar ao geometrismo, ao racionalismo dentro de uma realidade que não tem lugar para duvida, tudo passa a ter explicação e sentido, uma lógica que não pertence mais a interação social, e tao só aquela mente que em sofrimento extremo, modifica a compreensão da realidade para poder estar no mundo, e não precisa mais viver o mundo real.

Simplesmente fantástico esse termo "geometrismo do pensamento" não o conhecia mas na hora que bateu o olho fez todo sentido para mim. É um tema interessantíssimo e já abri aqui uma pesquisa para aprofundar!
Quanto a Nise, conheço um pouco através do ótimo filme sobre ela e Jung eu admiro já faz muito tempo, mas parece que não sou capaz de fazer mais do que degustar as bordas do conhecimento que ele oferece, não tenho bagagem para aprofundar ainda.

Nao sei como passei, mas culturalmente, e na propria medicina geral e nos rumos da psiquiatria atual, caminhamos ao contrário. Tratamos e procuramos no sofrimento mental, que nesse caso extremo, medicações(que ajudam muito), mas que não substituem, e talvez nunca vá, isso não da para precisar, já que o futuro e a tecnologia são algo que saem até do meu abstrato, mas até o momento, e pelo menos um bom tempo, nada irá substituir o laço humano.

Sobre isso, realmente é algo que precisa ser aprofundado e estudado, por isso gosto tanto da filosofia, por que ela não exatamente "conforta", mas traz luz e "consciência" (outro sentido da palavra, rs) ao ser. Inclusive foi uma dica que um psiquiatra me deu. Utilizar a filosofia como uma espécie de "religião" aquela ferramenta que equivale. Por que a medicina, sozinha, ainda não resolve isso. Aqui esbarramos na conversa sobre os próprios enteógenos, que como eu trouxe no início, a premissa deles, a busca dessa cultura é exatamente a visita a si mesmo de uma forma que não se tem num estado de vigília ordinária. Que só mesmo "a força" é capaz de alcançar esta catarse. Mas, tudo é hipótese, pesquisa, estudo e aprofundamento!

Valeu!!!

Fala @thomashblum! Como já estamos conversando um pouco disso nos discord. Na questão inicial da filosofia, fiz o que chamamos em uma discussão, uma provocação, é porque na escrita é difícil ter o tom da voz, kkk. É tipo quando sabemos que a pessoa entende sobre o assunto, e o primário da filosofia pouca gente aprende aqui no Brasil. Aí fiz essa brincadeira tipo, pode falar o primário da filosofia que gosto muito, é lá que retornamos nas teorias. Kkk

A questão de consciência, estou entrando no post de filosofia e psicologia, porque consciência tem varias significações, nesse contexto meio que podemos dizer, que é um fluxo de pensamento que protege nosso pensamento em geral, que refina, elabora, e quanto em uso de substância essa defesa cai, assim como no sono. E aí vemos o inconsciente tendo uma ação sobre consciente sem ou com menor o refinamento que o consciente faz. Na psicose primária como esquizofrenia por exemplo, não há substância que altere essa barreira, é o próprio consciente e inconsciente que não funcionam de uma maneira mútua tão bem elaborada, por sofrimento, no paciente acordado, sem uso de substância, nos da certeza que estamos diante de puro funcionamento mental. Com a substância precisamos esperar o efeito dela passar para saber. Acaba que a consequência do uso, se assemelha por uma sintomatologia psicótica, a origem da psicose que precisamos buscar, e o pior é quanto temos os 2 sobrepostos, o que é muito comum também. Estou nessa linha de fogo, venho pesquisando sobre o uso do crack, tenho-a muitos pacientes em uso, e que tem um quadro psicótico diferente, seria por lesão cerebral orgânica msm? Ou uma psicose sem lesão orgânica? O uso é diário e o dia inteiro, melhoram rápido sem uso, porém não sustentam. É muito difícil essa clínica.

Parabéns, seu post foi selecionado pelo projeto Brazilian Power, cuja meta é incentivar a criação de mais conteúdo de qualidade, conectando a comunidade brasileira e melhorando as recompensas no Steemit. Obrigado!

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se não me engano o DMT é assimilado como a serotonina, por isso é como se tivesse muito de uma substância já conhecida que provoca euforia.

E aí amiga. Então. Preciso estudar melhor os detalhes, mas pelo que consegui compreender o DMT é uma molécula análoga a uma que temos dentro de nosso corpo/cérebro. E é conhecida talvez de forma pouco científica ainda por estar ligada a descargas durante momentos chave, como o nosso nascimento e a nossa morte, onde as taxas são maiores. Eu irei aprofundar um pouco mais sobre isso quando for escrever sobre Ayahuasca ;)
Valeu!

Eu acho o caso do Wain fascinante! Grande inspiração para o Current 93. Eu já havia lido sobre isso, mas não lembrava daqueles quadros das fases mais graves da sua psicose. Os desenhos se tornaram tão detalhados e "absurdos" que me surpreenderam! Grande postagem!

Valeu amigo. Pois é, é um caso fascinante demais. E sim, nos níveis mais intensos é quase impossível não ficar impactado com a figura que deveria ser um gato, em alguns você vê ainda o padrão da forma felina, mas nos últimos isso quase se perde, tamanho é o fractalismo presente (inventei o termo, eu acho hehe). Mas acredite, esses padrões que se abrem como flor continuamente um dentro do outro quando vistos em foco e observados de longe parecem complexas mandalas, não é só criatividade, são padrões automáticos/compúlsórios observados em determinados níveis de alteração da percepção, o que pode causar até mesmo náuseas.
Algo meio assim:

(aumentando a velocidade para 2, e tirando a música do video)
hehe

Sim, estou familiarizado com eles. Às vezes penso na relação entre alguns padrões do gênero e os "crop circles" que aparecem nas plantações por aí.

Muito interessante o caso do Louis Wain, me lembrou uma experiência que tive a muitos anos atrás com um amigo meu ele começou a ter certos distúrbios mentais progressivos até então eu nunca tinha visto nada igual, começou com ele dizendo que não sentia mais a diferença de tempo quando "dormia" e acordava o dia seguia emendado no próximo em questão de uma semana ele começou a andar na rua totalmente fora de si. Na tentativa de ajudar o povo lá (na época morava na Bahia) resolveu levar em curandeiros, igrejas etc. No passar de mais uma semana o grau de esquizofrênia só tinha aumentado chegando ao ponto de assustar ele não dormia mais, repetia mantras em cantos escuros da casa e quando saia queria tocar o céu. Até eu na época ateu comecei a ver uma certa conexão com algo além pois conhecia ele e sabia que não estava fingindo, nessas duas semanas ele perdeu cerca de 15 kilos. Bem no final levamos ele em um psiquiatra que aplicou um forte sedativo para ele dormir e com o tempo ele se recuperou.
O que eu aprendi e que o que levou ele a ter esse comportamento foi acredite ou não maconha segundo o médico pois ele tem disposição a esquizofrenia na família.
Hoje depois de 10 anos do ocorrido acredito que ele poderia ter interrompido esse ciclo no começo com meditação pois teria acalmado sua mente no princípio. Essa situação me fez ver o mundo de maneira diferente cada um tem uma enorme responsabilidade por seus atos pois o que pode ser normal para um pode ser totalmente diferente para outro e escalar exponencialmente como no caso do Louis Wain.